A Receita Federal publicou nesta semana uma orientação que pode gerar novo embate com os contribuintes em relação à exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins. A discussão bilionária, que em tese já havia sido encerrada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2017 com decisão a favor das empresas, deve renascer no Judiciário em razão do entendimento divulgado pelo órgão sobre “qual ICMS” deve ser excluído.
A Solução de Consulta Interna nº 13, da Coordenação-Geral de Tributação (Cosit), determina que deve ser usado no cálculo o “ICMS a recolher” e não o “ICMS total” destacado na nota fiscal, usado pela maioria dos contribuintes. O efeito prático do entendimento, segundo especialistas, será um aumento no valor a ser pago de PIS e Cofins, pois o “ICMS a recolher” é menor do que o total.
Nesse sentido, em um exemplo simplificado, uma empresa que compra um produto por R$ 100, com alíquota de 18%, e o revende por R$ 300 poderá deduzir da base de cálculo ICMS no valor de R$ 36 (R$ 54 menos R$ 18 de crédito da entrada) e não o total recolhido ao final de R$ 54.
A novidade não foi bem-recebida pelo mercado e classificada de “factoide” ou ainda “fake news jurídica”. Para alguns tributaristas, a solução merece o termo porque iria contra entendimento do Supremo sobre o tema, cujo acórdão já foi publicado (RE nº 574.706). A questão, segundo advogados, poderá ser avaliada nos embargos de declaração propostos pela Fazenda Nacional, pois no recurso o órgão afirmaria que há dúvidas sobre o tipo de ICMS a ser utilizado.
O advogado Roberto Salles, sócio do Fialho Salles Advogados, diz que a solução de consulta parte de uma premissa que é na verdade o contrário daquilo que o STF decidiu. Nesse sentido, validará ou não os créditos de acordo com essa orientação. “A solução de consulta pressiona o contribuinte a não usar os créditos de maneira imediata”, afirma.
Para Luiz Rogério Sawaya, sócio do Sawaya & Matsumoto Advogados, a solução de consulta, além de ser grave e não ter fundamento legal, não faz qualquer sentido. “Um contribuinte que discute há mais de dez anos o assunto e ganha a ação não poderá compensar da forma correta porque a Receita na prática está reduzindo esse crédito”, avalia.
Além da questão da carga tributária maior, a medida deve gerar uma discussão sobre eventual provisão adicional. Segundo o advogado Luca Salvoni, do Cascione Pulino e Boulos Advogados, a observação vale para aqueles que já estão aproveitando os benefícios ou mesmo baixaram eventuais provisões em balanços em razão da decisão do Supremo.
O advogado Eduardo Arrieiro, do Arrieiro & Dilly Advogados, acrescenta que muitas empresas serão afetadas, pois há as que já provisionaram ativos contingentes. Outras, segundo ele, já estão compensando os valores e também excluindo mensalmente.
O tributarista afirma que, no julgamento do RE 574.706, a ministra Cármen Lúcia definiu a questão confirmando que o ICMS a ser excluído da base de cálculo do PIS/Cofins é aquele destacado na nota fiscal de venda. “Tanto é que a PGFN opôs embargos de declaração nesse sentido, requerendo que o STF se pronuncie a respeito. Assim, o desfecho só ocorrerá com a decisão dos embargos de declaração. É nítido que a Receita tenta reduzir o impacto da decisão do Supremo.”
A interpretação também deve atingir as exportadoras. Segundo a advogada Thais Veiga Shingai, do escritório Mannrich Vasconcelos, caso prevaleça o entendimento da Cosit, o acórdão proferido pelo STF não produziria efeitos práticos, pois não existiria ou haveria valor reduzido de ICMS a ser excluído na apuração de PIS/Cofins.
Para Luca Salvoni, a situação lembra o que se viu no início dos anos 2000 na discussão sobre o alargamento da base de cálculo do PIS/Cofins pela Lei 9.718/98. “Naquele caso, o STF entendeu que a base de cálculo prevista na lei era inconstitucional, e os contribuintes passaram a recolher o PIS/Cofins sobre uma nova base, menor.” Segundo o advogado, a Receita, porém, autuou nos anos seguintes sob o entendimento de que a decisão do STF não era tão ampla quanto o mercado havia entendido.
O tributarista Luis Alexandre Barbosa, sócio do LBMF, também acredita em uma política do Fisco de ganhar tempo. Segundo ele, as empresas poderão apresentar uma reclamação ao STF contra a solução. Há ainda a possibilidade de quem se sentir prejudicado impetrar mandado de segurança ou ação anulatória na Justiça.