Uma empresa do setor químico conseguiu que os bens do seu estoque fossem aceitos como garantia em uma execução fiscal estadual. A 1ª Vara de Fazenda Pública de Camaçari (BA) seguiu a argumentação da companhia de que o produto oferecido tem liquidez e que teria dificuldade, devido à crise financeira, em obter um seguro garantia – um dos recursos aceitos pelo Fisco.
A decisão reacende uma discussão antiga no Judiciário. Bem aceito nas décadas de 80 e 90, os estoques das empresas passaram a ser vetados nos tribunais devido à dificuldade do Fisco em receber os recursos ao fim dos processos de execução.
Pela jurisprudência atual – adotada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) e replicada no Judiciário dos Estados – o princípio da menor onerosidade ao devedor deve estar em segundo plano. Os ministros vêm entendendo que o objetivo, na execução fiscal, é garantir o pagamento da dívida. Por isso, a preferência pela garantia em dinheiro (via depósito judicial) ou por meio de seguro e fiança bancária.
Num primeiro momento, o juiz do caso, César Augusto Borges de Andrade, negou o estoque da companhia em garantia à dívida. Depois, ao analisar agravo interposto pela empresa, reformou a decisão. Ele considerou, principalmente, a possibilidade de comercialização dos produtos oferecidos. Trata-se, no caso, de matéria-prima para fertilizantes.
“São largamente utilizados na indústria química, considerando ainda a circunstância de que esta comarca abriga um polo petroquímico”, afirma o magistrado em sua decisão.
Representante da empresa no caso, o advogado Marcos Pimenta, sócio do escritório Pimenta Advogados, diz que para convencer o juiz da liquidez do produto, eles juntaram ao processo uma lista de compradores da matéria-prima e também reportagens que destacavam a previsão de aumento dos valores do insumo entre 3% e 5% para este ano. A discussão travada na Justiça envolve R$ 12 milhões em supostas dívidas de ICMS.
“No atual cenário econômico, falar em dinheiro para oferecer como garantia é impossível. A segunda opção é buscar fiança bancária ou seguro garantia, que tem custo de até 7% do valor total”, destaca o advogado Marcos Pimenta. “Essa decisão não traz prejuízo à saúde financeira da empresa e possibilita que ela discuta a legitimidade da cobrança”, acrescenta.
Especialista na área, Flávio Sanches, do Veirano Advogados, entende a decisão como “um tanto rara nos dias de hoje”. Ainda assim, para ele, foi acertada. O contribuinte tem o direito à defesa, afirma, e demonstrou no processo que tentou acesso a outras formas de garantir a dívida antes de oferecer o estoque. Por outro lado, enfatiza, a “jurisprudência é extremamente forte contra o devedor” e, por isso, há grandes chances de a decisão ser reformada nas instâncias superiores.
“Apesar de vantajosa, essa decisão não deve ser vista como uma luz no fim do túnel pelas empresas”, observa Flávio Sanches. Para ele, uma opção mais fácil de ser aceita – e também mais barata do que o depósito e o seguro – é garantir a dívida com a penhora de imóveis.
Já o advogado Marcelo Annunziata, do escritório Demarest, chama a atenção que, em meio à crise econômica, as empresas têm tentando alternativas para garantir as execuções fiscais. Ele cita o caso de um cliente que teve aceita a garantia em cotas de um fundo de investimentos. “Era um fundo de renda fixa, com rendimento pela Selic”, diz. O processo, nesse caso, correu na Justiça de São Paulo.
Uma outra opção, segundo o advogado, é aproveitar os créditos de ICMS. Ele cita como exemplo o caso de empresas exportadoras, que acumulam crédito de entrada e, na venda, são isentas. “O contribuinte não pode compensar crédito de ICMS com outros tributos, tem que usar na própria conta de ICMS. Então se a empresa tem e o Fisco não questiona a legitimidade desse crédito, ela pode dar em garantia a uma execução fiscal”, entende Annunziata. “Qual seria o argumento do Estado para não aceitar um crédito que ele mesmo diz que o contribuinte tem?”
O advogado faz a ressalva, no entanto, de que o crédito deve ser usado apenas no Estado que o concedeu. “Não adianta tentar usar créditos do ICMS de São Paulo em uma dívida de Minas Gerais. Nesse caso é provável que o Estado não aceite”, completa.
Fonte: Valor Econômico – 29/07/2016