A 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) permitiu a penhora de um imóvel de uso residencial e comercial (misto). No julgamento, os ministros levaram em consideração a possibilidade de desmembramento do bem, autorizada por lei municipal. O assunto foi julgado por meio de uma reclamação.
Lei nº 8.009, de 1990, que trata da impenhorabilidade do chamado bem de família, determina que o imóvel residencial não pode ser usado para responder por qualquer tipo de dívida contraída pelos familiares. Há algumas exceções, como no caso da cobrança de IPTU.
Porém, no processo julgado pelo STJ, foram apontadas algumas peculiaridades. Tratava-se de imóvel de uso misto. Além da residência, parte tinha uso comercial. Outro ponto considerado pelos ministros foi uma alteração na legislação municipal de Boa Vista (RR), autorizando o desmembramento de imóvel de uso misto.
O imóvel passou a ser disputado após a separação do casal, em 1998. A partilha de bens previa a venda do bem, localizado em Boa Vista. Porém, a ex-mulher se negou a vendê-lo, segundo o advogado do ex-marido, Nelson Buganza Junior. Em 2001 ele levou a disputa à Justiça, para que o imóvel fosse leiloado.
Os advogados das partes divergem sobre o tamanho do imóvel. Enquanto Buganza Junior afirma que ele tem mais de mil metros quadrados (mais de 90% comercial), Roberto Sade, advogado da ex-esposa, indica 585 metros quadrados, sendo cerca de 35 de área residencial. No entanto, ambos afirmam que o imóvel era de uso misto, além da residência, a área tem restaurantes e uma loja.
Na Justiça, o Tribunal de Justiça de Roraima (TJ-RR) havia decidido pela impenhorabilidade. Tendo em vista lei municipal de ordenamento urbano, os desembargadores entenderam que a habitação era residencial e indivisível. Consideraram o bem como de família, ainda que parte dele fosse destinado a atividades comerciais. O ex-marido recorreu ao STJ, que decidiu pela impenhorabilidade, em 2009.
Mas posteriormente na execução o ex-marido indicou alteração na lei municipal, que passou a permitir o desmembramento do imóvel. A mudança levou o juiz da 1ª Vara Cível de Boa Vista a determinar, em 2015, a penhora da parte comercial de imóvel anteriormente considerada impenhorável. A ex-esposa considerou que a nova decisão afrontou julgamento do STJ e acionou o tribunal por meio de uma reclamação.
Agora, em novo julgamento, a 2ª Seção teve entendimento diferente daquele adotado em 2009. O relator, ministro Raul Araújo, destacou que a legislação municipal que amparou as decisões de impenhorabilidade foi revogada. Assim, os imóveis localizados na mesma área do bem em disputa passaram a ser considerados mistos, de uso residencial e comercial.
O relator também destacou que, de acordo com a jurisprudência atual do STJ, é possível a penhora do bem de família quando não houver prejuízo à parte residencial do imóvel, ainda que sob a mesma matrícula. A decisão da 2ª Seção foi unânime.
O advogado da ex-esposa, Roberto Sade, afirmou que em reclamações há pouca possibilidade de recurso no Tribunal, mas ainda assim aguarda o acórdão para analisar se irá recorrer.
Fonte: Valor Econômico – 13/05/2016